segunda-feira, 24 de maio de 2010

You got me all wrong


Era uma quarta-feita e o entardecer era rosa no ponto médio da semana. Eu lia no sofá e você entrou abrupto pela porta, sem aviso. As letras se embaralharam e o meu coração, coringa, perguntou 'Why so serious?'. Aprendi, nos acréscimos do segundo tempo, que não posso levar você à sério, mas tenho, ainda assim, que ser séria para não entrar sem perceber no seu jogo-armadilha. O sofá desapareceu e eu deixei de sentir os pés no chão; seus olhos fixos nos meus, minha cabeça no céu (no seu céu, meu inferno). Você soltou um sopro-pergunta “Por que se foi? Era ainda tão cedo...” Eu respirei. O que era aquilo? Ele sabia como me desarmar e aquela falsa falta sentida me tocou, parecia semelhante à minha. Desarmou-me os pensamentos, mas minhas palavras escapuliram numa calma violenta “Não era cedo, era escuro. E fui porque tive de ir.” Ele sentou no sofá que havia há pouco sumido e que logo tratou de ressurgir. Como podia ele iluminar tudo assim? Ele sentou ao meu lado e eu fugi à leste, ele se aproxima só pra me repelir. Insustentável uma não-distância entre nós, havia de ser deixado um espaço pro amor sentar, comprimido. Um amor comprimido que nunca me serviu de remédio, bem mais como veneno(sem antídoto). Junto os pedaços que você bagunçou ao voltar assim, imprevisível, e numa firmeza forjada opto pelo desprezo educado. Olho você e tento fingir que não me importo sete dias por semana, mas só nos fins de cada domingo pacato. Eu minto, você me descobre? Não! Sem essa de acusadores físicos, você me descobre? Me sente? Acho que não... Perdeu o hábito. Perdeu o costume de sermos um antes de dois. Minha saudade se potencializa em cada lembrança, mas as memórias vão desvanecendo, magricelas, desnutridas. Como ousa entrar assim rompendo o equilíbrio da minha sala? Agora, entropia pura e não há quem meça o grau de desordem. Uma desorganização aqui em mim. Perco-me quase por inteira ao achar você em cada departamento abandonado ainda com suas pegadas. É, pegadas, pois me invadiu como um animal selvagem, bicho solto. Afoito demais em uma floresta imensa, desbravando cada canto para depois partir para novos territórios, presas fáceis. Não tô me fazendo de vítima e muito menos julgando você acusado, só acho que somos uma causa perdida, cheque-mate, derrota. Mas foi um privilégio pra mim o que tivemos. Tive uma paz incomum presenteada ao amor calmo e iniciante. Vivi os sorrisos repentinos, a improdutividade do coração inútil, tudo nos conformes. Sintomas de um coração cego, surdo, mudo, mas ativo. Agora ele dorme, meu coração. Tem pesadelos às vezes, mas dorme. E você chega, sem discrição, abrindo a porta assim, acordando-o sem pudor, inconsequente. Você, um irresponsável. Não vê que quando for embora vai continuar aqui? Sonâmbulo, insone. Preciso é me emancipar de você, declarar independência. Onde estão meus subversivos? Chega de subserviência a esse amor ditadura! Chega de tortura! Quero democratizar esses sentimentos oprimidos. Segue o conselho do Quintana: sua presença me pesa, deixa só um quindim na porta da minha casa e fecha a porta quando sair, por favor.

19 comentários:

  1. diferente de tudo o que tu já escreveu que eu já tenha lido, mas ainda assim persististe na mesmice de me impressionar e me deixar sem palavras. obrigado por esse texto, me fez capaz de enxergar a minha própria entropia ^^

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  2. Perdeu o costume de sermos um antes de dois...Quando o amor ainda existe, ele é 1/2. Duas partes de um inteiro.Maravilhoso!!!Diferente!!!!Mamily.

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  3. "Perco-me quase por inteira ao achar você em cada departamento abandonado ainda com suas pegadas."
    Ual, muito boa essa parte.
    adorei o texto, beijos!

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  4. belo texto...belas palavras...muito bom...

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  5. É incrível como tu consegues escrever, quase que pra mim. Fiquei perplexa. Podia ser eu, mas é vocês. Amei, e me identifiquei, quase que por completo, guria...Sério mesmo.
    "Aprendi, nos acréscimos do segundo tempo, que não posso levar você à sério, mas tenho, ainda assim, que ser séria para não entrar sem perceber no seu jogo-armadilha" Lindo, lindo, lindo.
    Um beijo!

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  6. Menina, menina, assim você me mata. Texto lindo, me deixou boquiaberta.

    Beijos.

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  7. menina que texto lindo!! a minha cara, inclusive to postando um no meu blog com essa cara: sofá,tardes,presenças...
    tudo lindo aki,vou te seguir! :*

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  8. aaaaaaaaaaaaaaah, que lindo *-*
    adorei a imagem, o texto, o final, tudo, tudo. te sigo e volto sempre rs :*

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  9. Que coisa linda flor!!!

    "Segue o conselho do Quintana: sua presença me pesa, deixa só um quindim na porta da minha casa e fecha a porta quando sair, por favor.

    Adorei teu canto, beijoooooooooooooo

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  10. Olá Amanda. Muito prazer... Gostei do que encontrei por aqui.

    Quanto a qualidade do escrito, está muito bom. Bem escrito, intenso, imagens boas. Gostei mesmo.

    'E você chega, sem discrição, abrindo a porta assim, acordando-o sem pudor, inconsequente. '

    Muito bem escrito,

    Grande Beijo

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  11. Adorei, ótimo *-*
    Você escreve muito bem! :)

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  12. Ei, eis aí uma grande autora.
    Valeu a pena vir aqui.
    Parece que o poder de um relacionamento, poder de ferir, matar, fazer sorrir
    Está sempre nas mãos de quem menos ama.

    Mas ás vezes, a gente quer se libertar de dependermos emocionalmente de alguém.
    Liberdade de dentro.
    Voce escreve absurdamente bem.
    parabens
    beijos

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  13. Lindíssimo texto. Ás vezes quando o amor sufoca, precisamos de um tempo...
    E na maioria das vezes é assim. Ele chega, causa desordem, confusão... Acho que se o amor fosse aquela coisa toda perfeita de filme, não teria graça :P

    Ótimo final de semana pra ti, querida, e obrigada pelo comentário lá no blog! ^^

    :*

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  14. Nasceste para encantar as pessoas com o teu talento, xu. Parabéns pelos textos. :*

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