domingo, 30 de maio de 2010

Free to decide


Ei, menino perdido.
Você aí, você sim. Me olha aqui.
Me olha não, me ouve, você entendeu.
Mas ouve olhando pra sentir minha verdade, ela vai fundo.
Eu já estive aqui antes, não foi uma vez só.
Retorno habitual, rotina batida.
Não quero vir com a ladainha dos experientes, não.
Quero é dizer que isso aqui tudo pode ser bem cruel, viu?
É um pra cada lado e você pra todos, em tudo.
Em tudo e em nada porque diferença não há,
Diferença não faz. Você faz o que?
Você senta. Senta aqui ao meu lado.
A noite é longa e a espera extensa, há tempo.
Há tempo sempre, mas ninguém o dá, ninguém o nota.
Quantos vivem assim despercebidos?
Vivem temporalmente em dias sem vida.
O calendário corre e o ano evapora. Veloz.
Arrogância e barulho. Confusão, não?
É tudo silencioso quando o vazio é assim, preenchido.
Preenchido em partes, você sabe. Você preenche algo?
Ah, a liberdade e seu preço altíssimo a se pagar.
Pessoas avulsas, ninguém se pertence.
Ninguém de ninguém, um todo de lotes egocêntricos.
Mas, sabe, é essa sim a vida que eu sempre quis.
Resmungo como uma desagradável pra te assustar,
Pra amenizar tuas opiniões idealizadas.
Com tanto aviso negativo, o que vier vai ser lucro.
Todos têm suas chances. O que você me diz?
Dar sua mão a morder ou morder a mão oferecida?
Coragem em falta, covardia em promoção, preços baixos.
Vendas altas. Você me vende essa inocência de novato?
Percebi tão fácil que é novo aqui. Ingênuo ainda.
Queria ensinar à você as palavras e os truques.
O mecanismo de vencer nessa competição injusta.
Sem júri e sem juiz. Réu sem provas, é.
Culpado até que se prove inocente, feliz ou infelizmente.
Seleção natural. Não é a lei do mais forte,
Aqui o que impera é a adaptação. Adapte-se!
Não em um dia ou dois, o tempo é todo seu.
Mas não demore muito, a corrida é acirrada.
Pode ir, menino perdido. Chegou a hora.
Já você se acha, vai ser menino achado.
O chão é um só, é vasto,
Mas os caminhos são muitos, incontáveis.
Não entra nessa de pegar atalhos, não.
Conheça toda a estrada, desgaste a sola do sapato.
Se ache, menino perdido. Se ache...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

You got me all wrong


Era uma quarta-feita e o entardecer era rosa no ponto médio da semana. Eu lia no sofá e você entrou abrupto pela porta, sem aviso. As letras se embaralharam e o meu coração, coringa, perguntou 'Why so serious?'. Aprendi, nos acréscimos do segundo tempo, que não posso levar você à sério, mas tenho, ainda assim, que ser séria para não entrar sem perceber no seu jogo-armadilha. O sofá desapareceu e eu deixei de sentir os pés no chão; seus olhos fixos nos meus, minha cabeça no céu (no seu céu, meu inferno). Você soltou um sopro-pergunta “Por que se foi? Era ainda tão cedo...” Eu respirei. O que era aquilo? Ele sabia como me desarmar e aquela falsa falta sentida me tocou, parecia semelhante à minha. Desarmou-me os pensamentos, mas minhas palavras escapuliram numa calma violenta “Não era cedo, era escuro. E fui porque tive de ir.” Ele sentou no sofá que havia há pouco sumido e que logo tratou de ressurgir. Como podia ele iluminar tudo assim? Ele sentou ao meu lado e eu fugi à leste, ele se aproxima só pra me repelir. Insustentável uma não-distância entre nós, havia de ser deixado um espaço pro amor sentar, comprimido. Um amor comprimido que nunca me serviu de remédio, bem mais como veneno(sem antídoto). Junto os pedaços que você bagunçou ao voltar assim, imprevisível, e numa firmeza forjada opto pelo desprezo educado. Olho você e tento fingir que não me importo sete dias por semana, mas só nos fins de cada domingo pacato. Eu minto, você me descobre? Não! Sem essa de acusadores físicos, você me descobre? Me sente? Acho que não... Perdeu o hábito. Perdeu o costume de sermos um antes de dois. Minha saudade se potencializa em cada lembrança, mas as memórias vão desvanecendo, magricelas, desnutridas. Como ousa entrar assim rompendo o equilíbrio da minha sala? Agora, entropia pura e não há quem meça o grau de desordem. Uma desorganização aqui em mim. Perco-me quase por inteira ao achar você em cada departamento abandonado ainda com suas pegadas. É, pegadas, pois me invadiu como um animal selvagem, bicho solto. Afoito demais em uma floresta imensa, desbravando cada canto para depois partir para novos territórios, presas fáceis. Não tô me fazendo de vítima e muito menos julgando você acusado, só acho que somos uma causa perdida, cheque-mate, derrota. Mas foi um privilégio pra mim o que tivemos. Tive uma paz incomum presenteada ao amor calmo e iniciante. Vivi os sorrisos repentinos, a improdutividade do coração inútil, tudo nos conformes. Sintomas de um coração cego, surdo, mudo, mas ativo. Agora ele dorme, meu coração. Tem pesadelos às vezes, mas dorme. E você chega, sem discrição, abrindo a porta assim, acordando-o sem pudor, inconsequente. Você, um irresponsável. Não vê que quando for embora vai continuar aqui? Sonâmbulo, insone. Preciso é me emancipar de você, declarar independência. Onde estão meus subversivos? Chega de subserviência a esse amor ditadura! Chega de tortura! Quero democratizar esses sentimentos oprimidos. Segue o conselho do Quintana: sua presença me pesa, deixa só um quindim na porta da minha casa e fecha a porta quando sair, por favor.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

No one



"É uma saudade pós-saudade. Uma saudade sem o peso de uma saudade. Uma saudade sem a tortura de uma obsessão. Uma saudade de detalhes que só vem em sonhos que não me acordam antes das cinco. Uma saudade que não podia sentir quando estava cheio de saudade. Uma saudade de quem aprendeu a conviver com o pôr do sol."

[Gabito Nunes]

________________________________________________


Tenho sentido tua falta. Não uma falta que grita, exige e faz baderna, mas uma falta leve, discreta, comportada. Essa saudade não invade minha sala desmarcando os livros, sujando os copos ou riscando as paredes, não... Uma saudade baixinha que permeia meus silêncios, aquieta meus sorrisos e desanima minhas cantorias. Sempre foram tantas as minhas certezas, entre elas a de saber que esse dia, um dia, chegaria. Atrasei meus ponteiros, desativei meus alarmes. Não adiantou. TRIM, te vejo indo. Não, não. Não tá indo, eu sei. Mas, ah... Eram tamanhas minhas contemplações com a tua onipresença. Foi tanto que falei pra ti e ninguém mais; hoje é tanto que calo, ninguém mais. Mas deixo sim, deixo ir. Deixo esse egoísmo convertido em possessividade de lado para deixar-te voar. Não vou pedir nada, não guardo nada nos bolsos e nem tenho pressa. Vai sim, pelo tempo que for. É tão vasto o céu, tão tímidas ainda tuas asas. Isso é mais que amor, é amar. Faço hoje por ti o que não fizeste ontem por mim. Vai, pode ir... Mas volta, porque tenho sentido tanto a tua falta...

[I just want you close where you can stay forever.]

sábado, 8 de maio de 2010

Feel this


E você vem falar de amor... Logo pra mim que ando tão desacreditada. Que aos tropeços encontro pedras com as quais me apego e resisto em devolver ao chão. Vem falar logo pra mim que tanto calo. Diz que precisa desabafar, narrar-me a imensidão, fazendo-me pensar que esqueceu da minha incapacidade de percepção tempo-espaço. Vem querendo tomar-me em uma dose sem saber que eu posso rasgar na garganta. Vem mastigando-me com fome sem saber que meus pedaços não cabem em uma mordida. Vem respirando-me sem fôlego sem saber que sou mais que uma brisa, que posso não caber no seu pulmão (vizinho do teu coração quente demais). Vem querendo desenhar-me em planos sem saber que eu não caibo no papel. Você supõe e, entre tanto anseio, se equivoca.
E você volta a falar de amor... Um amor que pra mim é ontem. Que virou carta na gaveta, foto na carteira, ligação perdida. Você me chora dores que meus analgésicos já curaram e chora tanto, que me faz querer presentear-te anestesia. Pede por um espaço que lhe pertence por direito e cotidiano, mas pede ainda mais, mais do que posso dar. Reclama por meu tempo, suplica pela minha atenção, sufoca-me com ciúmes, fazendo-me pensar que esqueceu da minha idolatria aquariana pela liberdade.
E você me grita esse velho e sempre novo amor. Esperneia, soluça, quebra, pragueja, arranha. Faz barulho, faz bagunça. Logo pra mim que tanto almejo a calma, tanto preservo minha paz. Insiste no esgotado, aposta no inviável e eu aqui tentando, durante todo esse tempo, explicar que já deu. Foi intenso, lindo, enorme e eterno até, mas passou. É, foi eterno, mas passou. Faz tanto barulho e eu preciso é do silêncio. Ainda de pé, mas agora possuidora de uma maleta de traumas, uma laguna de lágrimas, um caixote de cicatrizes e uma pasta de músicas inaproveitáveis. Ainda sorrindo, mas agora com tantos contos censurados, tanta vida que nem me pertence mais, tanto cansaço de verbos no pretérito. Ainda feliz, mas agora em ímpar. Em ímpar... E você vem falar de amor?

segunda-feira, 3 de maio de 2010

No digas nada


"Ando contra o tempo, vou correndo quando dá. Tenho que ir à pé, sem muita fé não chego lá. Com o passar dos anos, eu aceito o que se diz. Sem entender por quê, é bom saber chorar pra ser feliz. Trancos e barrancos, volta e meia, outro lugar. Abre-se a paisagem, a viagem é não chegar. Hoje todos fogem do que ontem era lei."

[Ludov]

____________________________________________


E se tu vieres de novo vou dizer então: vieste com tanto verão, eu queria era inverno. Fria, pedra, indiferente. O que dessa vez? És tu quem dizes. E se eu não contestar? És tu quem exiges. E se eu aceitar e deixar escapulir que és sol demais? Ah, não me leves a mal, mas agora já não tenho tempo a perder, já não jogo segundos no ar. Mudo-me silenciosamente como quem rouba o doce de uma criança. Cautelosamente vou pro meu pólo e deixo-te aqui, no calor do Equador. Equalizar a dor? Equalize. Quero o teu silêncio pra compor minha música até o sol raiar morno pela janela que deixei entreaberta. Tanta ciência humana foi me deixando inexata e as notas parecem não-notadas. E se eu não souber mais desprender os pés do chão? E se eu não souber mais amar sem razão? Se eu não souber, deixe-me não sabendo que assim eu me aprendo. Meus passos pra trás, meus olhos pra frente. Abrindo os braços e apressando os pés. Um dia eu chego lá.